Carolices italianas

Para entender melhor sobre a cultura italiana é essencial que vc entenda o papel que a religião católica tem nessa sociedade que é aparentemente inofensiva e cheia de vida e alegria.

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Descobrindo as carolices italianas

Comecei escrevendo esse post com o título "Páscoa na Itália parte I - as carolices", até cheguei a publicá-lo, mas depois que escrevi mil parágrafos e voltei para reler tudo, percebi que era impossível continuar a escrever outros posts sobre a Itália sem antes fazer uma contextualização sobre religião na Itália. Então resolvi mudar tudo, mudei título, imagens, reescrevi, reli e vamos ver se agora a coisa vai.

Eu confesso que eu sempre vivi muito longe da religião católica, na verdade, sobre qualquer outra religião, pois nunca foi um assunto que me interessasse muito: religião. O que é muito interessante, pois meu avô materno é um pastor de uma religião japonesa chamada Tenrikyo e pelo menos uma vez por mês ele celebrava missas na casa dele. É assim até hoje.

Desde que me conheço por gente eu sempre fui a esses encontros. É verdade também que eu nunca participei dessas missas, pois eu estava sempre muito ocupada brincando com meus priminhos, ou colocando as novidades em dia com as minhas tias. A verdade é que eu via essas missas como uma oportunidade perfeita para rever a minha família. Não acho que tenha sido de tudo inútil, afinal, não são esses um dos motivos para receber uma educação religiosa? Manter as pessoas unidas, estimular a convivência em grupo, diminuir o egoísmo e aumentar o altruísmo, socializar, ajudar um ao outro? Posso não ter aprendido a história de Jesus, Maria, São José e todos os outros mil santos, mas acredito ter aprendido muitos outros valores.

Viagens a parte, tive uma educação religiosa bem particular, cresci num ambiente completamente religioso, mas sempre fui completamente ateia.

Símbolo da religião Tenrikyo

Contextualizando a Itália



A Itália é um país de maioria católica, mas quando eu falo sobre catolicismo por aqui, não é no mesmo modo como eu via no Brasil. Digamos que para nós brasileiros, os italianos são católicos fervorosos! Eu sei, eu não recebi uma instrução religiosa, mas eu sempre observei como muitos dos meus amigos católicos reagiam a assuntos relacionados com a religião. Aqui a religião está presente constantemente no dia-a-dia deles, eles respiram Jesus e Maria 24 horas por dia! E é até por isso que vc consegue entender porque imigrantes muçulmanos têm tantos problemas em serem aceitos por aqui.


Lembre-se ainda que é aqui nessa península que se encontra o Vaticano, que atenção, não é em Roma, nem muito menos na Itália, Vaticano é um outro país.

Catecismo na infância

Para explicar melhor toda essa carolice italiana, conto para vcs como funciona o catecismo por aqui. Eu sei que a maioria dos meus amigos frequentou uma paróquia para receber todos os seus sacramentos e claro que isso não aconteceu comigo. Não é que não fosse intenção dos meus pais, porque mesmo tendo um avó de outra religião, todos foram batizados na igreja católica. Estranho, né, mas acho que faz parte da nossa miscigenação brasileira e adoro tudo isso! Minha mãe sempre quis que eu e meu irmão fôssemos batizados e frequentássemos o catecismo da cidade, mas por um motivo ou outro isso nunca aconteceu. E acreditem, isso que aconteceu na minha vida é totalmente estranho para um italiano. Tentar explicar este acontecido para eles faz de novo com que eles entrem num bug total! Isso tudo porque ser católico é uma marca cultural muito forte na Itália. Uma criança que não é batizada logo no primeiro ano de vida é só porque teve algum problema, ou a família não é “normal”. Ou seja, aqui, a liberdade e tolerância religiosa são praticamente inexistentes.

O mesmo vale para crianças que não frequentam o catecismo desde o primeiro ano da escolinha elementar. Aqui as crianças devem frequentar o catecismo uma vez por semana, que geralmente é um sábado ou um domingo. Elas passam a tarde inteira na paróquia, são divididas de acordo com o ano escolar e devem assistir a pelo menos uma hora e meia de catecismo. A última meia hora é reservada para jogos, mas vale salientar que não é optativa. A meia hora do "brincar todo mundo junto" é obrigatória, não que seja um problema para as crianças, pois é claro que elas adoram esses último minuto, aliás, elas vem só para isso.

catecismo Itália 2016/2017, paróquia Santa Maria in Borgo, Civitella di Romagna, catechismo
Catecismo ano escolástico 2016/2017

E por causa desse um dia na semana, uma criança que não frequenta o catecismo vem automaticamente marginalizada na escola. É muito estranho, não? Eu sempre falo que é uma realidade muito triste. Aquela clássica frase que escutamos tantas vezes e vimos tantos videos nas redes sociais é verdadeira: criança não nasce preconceituosa ou racista. Trabalhando muito com crianças aqui na Itália (inclusive virei catequista para tentar entender ainda mais essa cultura. Uma verdadeira masoquista!), eu percebi que é verdade, o preconceito e o racismo, as crianças trazem de casa e por esse motivo crianças chinesas e muçulmanas são frequentemente alvos de grande marginalização. E claro que por motivos sem sentido algum: se vc não é católico, vc não é uma boa companhia. Como qualquer ação e atitude preconceituosa e racista, é claro que essa frase não faz nenhum sentido! Eu estranhei muito essa atitude por aqui, mas talvez por um erro nosso brasileiro que aprendemos na escola a classificação dos países em "primeiro mundo" ou "mais desenvolvidos" (que termos infelizes) e é claro que a gente cresce achando que eles são o máximo e mais evoluídos, olha como classificamos essa gente! E isso até quando vc se depara com essa outra realidade e vc finalmente abre os olhos.

Para mim ainda é muito difícil aceitar que uma pessoa possa ser deixada de lado só pela sua escolha religiosa. Confesso que nunca passei por uma situação dessas no Brasil, ainda mais quando se tratam de crianças. Imaginem então como funciona para pessoas fisicamente diferentes?

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Apesar de tudo isso, quando vc muda de país, é preciso se adaptar e aprender a conviver com essa nova realidade, tentando entender porque eles fazem as coisas dessa maneira. Pelo menos para mim tem funcionado muito entender o porquê das coisas. No fim tem sempre um motivo histórico sensato atrás de tantas reações e atitudes que para mim são inaceitáveis. Não que isso signifique que eu concorde com tantas coisas, mas posso pelo menos esperar que aos poucos algumas dessas tradições se tornem mais flexíveis.


Resumindo tudo, se um dia vc resolver se mudar para a Itália e construir uma família, venha com uma mente aberta sobre o catolicismo, pois isso pode ser muito importante para a adaptação dos seus filhos na comunidade italiana. O inserimento de um estrangeiro nessa sociedade não é fácil, pois diferenças não são bem-vistas como estamos tão acostumados de ver no Brasil.


A presto!

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